domingo, 29 de setembro de 2013




Ecos do Silêncio

No mundo do silêncio 

Todas as vozes murmuram
Todas se calam, se torturam
Se mostram com doçura
A mesma doçura que reina nos corações,
Aqueles, que de guerreiros
Se mostram inteiros,
Sensíveis e fortes,
Sem medo das sortes.
Do mundo do silêncio
Emergem verdades
Mentiras, saudades
Memórias, odores
E muitos amores
Vividos, sonhados
Perdidos, achados.
No mundo do silêncio,
Quando tudo se cala,
O mundo abre-se
Descobre-se, oferece-se
Aos homens atentos,
Capazes de estar ali
No momento presente.
Pois os que de ausências se fazem
Jamais saberão esse mundo
E o seu sentido profundo
Na natureza.
Do aparente inaudível mundo do silêncio
Brota o eco mais verdadeiro
Linguagem perfeita
Que é apenas o que é
Sem mais querer.
Sem nada a perder.
Assim é a folha que brilha ao sol.
Assim a relva se curva ao vento,
O mesmo que molda as pedras
E despenteia as moças.
Assim a montanha se mostra,
A borboleta bate as asas
E a abelha suga a flor.
Assim o sol traz a cor
A todas as coisas do mundo.
Pois em todas elas habita o mesmo idioma,
O do silêncio.
Que só porque existe
A tudo assiste
O milagre
das suas inúmeras vozes.


2013.09.26


domingo, 22 de setembro de 2013

Eternamente Sagrados



Das cavernas mais profundas da natureza, a Deusa Terra estendia a suas raízes como serpentes entrelaçadas num covil profundo e recôndito.
Cada uma dessas raízes transportava em si seivas leitosas, espessas ou fluídas nutrientes vitais a cada um dos filhos e filhas que o seu ventre acolhia.
Do mais etéreo espaço, o Deus Sol abria os seus braços brilhantes e luzidios, em número incalculável, dos quais sopravam raios de uma energia quente e luminosa que penetravam e nutriam a Deusa Terra.
Da sagrada união de ambos, geravam-se todos os filhos e filhas cujos actos sagrados tinham feito dum pequeno ovo, suspenso no universo, o lugar capaz dos maiores milagres, só possíveis aos reinos dos Deuses. Todos os milagres eram de estrema beleza e pureza e cada um deles era sentido e vivido por todo o reino, pois não havia qualquer separação entre os filhos e filhas sagrados. Cada acção, cada pensamento, cada expressão, gerados no sistema da não existência individual, afectava tudo e todos, neste reino onde a liberdade era o motor de cada milagre.
Um dia, muito distante, um dos filhos adoeceu gravemente, de um mal contagioso, e conheceu o Medo, após ter recusado o milagre da cura. Abriu então uma ferida no ventre da Deusa Terra e conheceu o Poder. Abandonando o ventre materno, viu-se separado de toda a família divina e conheceu a Ambição.
Da ferida aberta no ventre da Deusa Terra outros filhos e filhas lhe seguiram os passos. Em pouco tempo, uma multidão de filhos e filhas esqueceram as suas origens sagradas dando lugar ao nascimento de feiticeiras e feiticeiros que se diziam sagrados e poderosos, capazes dos maiores feitos alquímicos. Munidos de máquinas pensantes, todas iguais, desenvolveram sistemas artificiais de existir com base em processos sofisticados que premiavam aqueles que mais se distanciavam do estado primordial da existência. Quanto mais profunda a sensação de separação, o estado de individualidade, maior o poder exercido e experimentado.
Estas seivas, não sagradas, que percorriam tais máquinas pensantes, iam intoxicando lentamente, em progressivos estados amnésicos, todos os seres. Entre eles, os mais jovens, retinham ainda vislumbres do estado vivido no ventre materno, vislumbres incompreendidos pelos mais velhos e por estes combatidos como se de algo nefasto e doentio se tratasse. De entre os filhos amnésicos, os mais dotados, logo encontravam soluções para a cura o que lhes trazia poder e posses. As próprias curas milagrosas iam-se anulando umas às outras, à medida que os males eram identificados. O mundo das máquinas pensantes, todas iguais, construiu assim uma enorme teia onde todos se sentiam presos e infelizes, enquanto a própria teia era embelezada como se do paraíso se tratasse. Muitas das curas ofendiam mais e mais o ventre materno e os braços do Rei Sol a quem os filhos viam como escravos e fontes de ambição e de poder.
A Deusa Terra e o Deus Sol conheciam bem o sofrimento dos filhos e as agressões que estes lhes infringiam. Sabiam bem as preocupações, os medos, as inquietações dos habitantes da teia maldita mas não cabe aos deuses, nem às fontes de vida, interferir directamente na liberdade dos seus filhos. A sorte de todos é por todos gerada e assim, os Deuses vigiavam a teia sofrendo e resistindo, mostrando as feridas onde inevitavelmente todos se feriam.
Tempo e tempos passaram, a beleza da Deusa Terra permanece viva mas as doenças tomaram também conta dela porque nunca houve realmente qualquer separação entre ela e seus filhos. Por vezes chora, inundando tudo com as suas lágrimas e tirando vidas. Por vezes, assolada por doenças nas vias respiratórias, em enormes acessos de tosse, abana o reino, destruindo as obras criadas pelas máquinas pensantes e tirando as vidas dos seus próprios filhos e filhas.
O Rei Sol também sofre pelos sofrimentos que causa. Os seus braços, outrora benéficos, são agora temidos por muitos e outros encontram neles a morte. As protecções antes existentes, deixavam que os raios luminosos abraçassem a Deusa Terra suavemente. Hoje, por acções não sagradas dos filhos amnésicos, tocam tudo e todos tão intensamente como é intenso o sofrimento que provocam em Deuses e filhos que ignoram serem sagrados. Adoecem-nos e matam-nos.
Dizem os visionários, os magos sagrados, que haverá filhos e filhas a descobrir o caminho de volta ao ventre sagrado, outros que montam cavalos escravos em direcção à descoberta de novos lugares suspensos no universo, na tentativa de encontrar uma fuga da teia maldita e um caminho para uma sensação de felicidade perdida e não vislumbrada.
Aqui onde te encontras, se conheces a felicidade duradoura talvez estejas já a habitar o ventre sagrado da Deusa Terra. Se em ti habita a mais ténue sensação de sofrimento então fecha os olhos e acorda. Deixa que o que resta de sagrado em ti atravesse o universo. Penetra esse campo divino, vê-te de volta aos braços do Rei Sol e ao ventre da Deusa Terra e saberás então quem és e onde pertences, em suma, conhecerás a felicidade nunca perdida mas ofuscada por máquinas pensantes, todas iguais.

domingo, 15 de setembro de 2013

O Tacto das palavras





Julgar as palavras
É não conhece-las, não as saber,
Não as beber.
Palavras têm beleza ou feiura
Inspiram amor, amargura
E todos os sentimentos do mundo.
Hás as melodiosas e as agrestes.
Há quem as ame e quem as deteste,
Sem que nenhuma delas se altere.
O tacto das palavras não está nelas
Pois todas são belas, precisas, necessárias.
O tacto das palavras está em quem as escreve
Escuta, pronuncia.
Palavras são casamentos perfeitos entre letras
São desenhos de meninos e obras de poetas.
Delicadas naquele que ama
E grosseiras no rosto da trama.
Palavras animam e destroem,
Chegam e partem
Da alma dos homens meninos.
Instalam-se e “moem” as mentes pequenas
De egos plenas.
O tacto das palavras
Governa e habita o coração dos homens,
Tem o tamanho da consciência de quem as profere,
Escreve ou pinta.
O tacto das palavras
Está em deixar aos homens
O poder e a arte
De com elas abrir janelas
Pintar aguarelas,
E nelas se rebolar, amar, sonhar.
O tacto das palavras está em ti
Em mim, em nós.
Em todos os que as amam,
Respeitam,
E com elas se deleitam.
Tratemos então com o cuidado que merecem
Todas as palavras,
E a riqueza que contêm,
E com cuidado redobrado
O seu jeito velado
De dizer,
(sem o fazer)
Mais que o seu significado.

2013.09.13





quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Beleza maior

Olho o céu.
Nele posso ver tudo o que é meu: nada.
Como é belo e livre, o céu.

2013.08.30

domingo, 1 de setembro de 2013

Oração


Olha o oceano
Como ele é
Imenso, espaçoso, profundo,
Cumprindo o seu papel
Na natureza.
Ondulante, belo, abundante.
Mostra-se numa aparente indiferença
A toda a penetração humana
Que o explora, polui, mancha de sangue.
A todas as agressões
Retribui com amor
Partilhando quem é.
Sábio em grandeza
Grande na nobreza,
Permanece ali
Imenso, espaçoso, profundo
Cumprindo o seu papel na natureza.

Assim fosse o homem.
Amém

2013.08.19